Monday, November 27, 2006

CONTROLADORES

(ZH publica hoje artigo meu. Segue abaixo nova versão melhorada)
CONTROLADORES
Aloyzio Achutti. Membro da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina

É fácil adaptar-se à rotina e perder a capacidade de se maravilhar com as coisas boas, ou de se escandalizar com o que não anda bem. Um susto ou um desastre podem ajudar no caminho de volta à realidade.
O recente desastre no qual morreram mais de 150 pessoas chocou a todos e trouxe a baila o caso dos controladores de vôo, capaz de suscitar muitas reflexões sobre as quais vale a pena discutir.
A primeira reação foi a de buscar um culpado pelo evento. Em seguida surgiu o caos no tráfego aéreo, porque o problema era muito mais extenso, complexo e grave, e os controladores deixaram de fazer concessões, passando a observar estritamente as normas de segurança.
O risco de voar era muito maior do que o imaginado...
Estendendo o olhar, vê-se que, em terra, as estradas também estão esburacadas; no mar os portos estão superlotados; o transporte ferroviário foi desmontado; as fontes de energia limitam o crescimento da produção; os rios poluídos, e flora e fauna devastadas; a população carente de educação e de perspectiva na vida. Só a violência (do tráfego e do crime) denuncia os desacertos, embora quase entrando para a rotina.
Contemplando especificamente o setor saúde - mesmo sabendo que as causas das causas dos problemas de saúde têm origem fora do setor - é preciso reconhecer que há muito tempo concessões inapropriadas estão sendo feitas: profissionais atendendo em condições precárias, com falta de equipamento e medicamentos, salários defasados (incomparavelmente inferiores aos do judiciário e dos políticos), hospitais quebrando, sanguessugas, ambulâncias, erro médico, conflito de interesse com a indústria, propaganda enganosa, e tantas outras distorções e corrupção, causas inequívocas e inaceitáveis de risco.
A insegurança e as mortes não naturais são chocantes. No Brasil, cerca de 400 mil mortes, mais de 40% de todas registradas anualmente (ou o equivalente a sete “Boeings” caindo todos os dias), ocorrem em pessoas com menos de 60 anos, portanto com alta probabilidade de não serem assim tão naturais, e passíveis de serem evitadas através de políticas públicas e cuidados que dependem do comportamento de cada indivíduo e dos hábitos culturais nos quais estão inseridos. Estas mortes não deveriam ser encaradas como simples fatalidade e sem solução. A capacidade de adaptação à rotina, as concessões, a entrega do controle e das decisões maiores a políticos não confiáveis e venais, propiciam a ilusão conformista de que é assim mesmo e de que está tudo bem.
Aprendendo com os controladores de vôo, cada cidadão deveria deixar de fazer concessões. Não se pode mais ceder a interesses subalternos, a falácias e imposições que terminam pondo em risco a própria vida e a dos outros.

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